VINCENT VAN GOGH
Vincent Van Gogh, como tantos outros
artistas que tiveram uma vida romântica perturbada, é, talvez, mais conhecido
pelo grande público devido às vicissitudes dramáticas de sua existência do que
pelo valor de sua obra. Nestes últimos anos, o interesse por ele muito aumentou
e sua produção pictórica é bem mais conhecida e admirada do que no passado.
Talvez isso seja pelo fato de que Van Gogh está bem perto de nosso espírito
pelo modo de sentir de nosso tempo, mais do que muitos outros pintores seus
contemporâneos.
Certamente, a sociedade em que vivia, a próspera burguesia
holandesa, amante da vida calma, não podia compreender um homem como Van Gogh,
violento, arredio, incapaz de adaptar-se às regras de seu tempo e de seu
ambiente. Vincent Van Gogh nasceu em 30 de março de 1853, na Holanda, ou
melhor, no Brabante setentrional, numa pequena aldeia, em que seu pai era
pastor protestante. Ele pertencia a uma família numerosa e durante toda a vida,
foi ligado por afeto profundíssimo e comovedor ao seu irmão Theo, nascido
quatro anos depois dele e que sobreviveu apenas poucos anos ao trágico
desaparecimento de Vincent.
Após haver estudado um pouco de desenho, foi
admitido na cidade de Haia, como caixeiro da galeria de Arte Goupil, onde
também Theo se empregara. Em 1873, Vincent foi transferido para a filial de Londres,
mas aqui o aguardava sua primeira desilusão amarga, porque, apaixonando-se pela
filha da dona de sua pensão, pediu-a em casamento e sofreu uma recusa, seguida
logo de outra, poucos meses depois, e, em seu coração ferido e amargurado,
começou a abrir-se a chaga da inquietude e do sentimento de frustração que
nunca mais o abandonaram.
Depois de passar alguns meses em Paris, voltou a
Londres e, a seguir, a Haia, onde se demitiu da Galeria de Arte Goupil. Depois
de uma breve permanência na casa paterna, seguiu cursos de preparação teológica
em Amesterdã e em Bruxelas, mas, desanimado pelos insucessos atribuídos à sua
escassa capacidade oratória, abandonou essas tentativas e resolveu dedicar-se
ao apostolado, diretamente, pelo exemplo. De fato, repleto de místico espírito
evangélico, partiu para Borinage, a região mineira da Bélgica, onde quis
compartilhar das míseras condições de vida daqueles mineiros. Ele os reunia,
ali, à noite, em uma taberna, e os instruía em matéria religiosa; além disso,
renunciava ao pouco que possuía para dá-lo a quem fosse mais pobre do que ele.
Mas o seu zelo foi julgado excessivo pelos superiores, sua eloqüência demasiado
candente e precisou interromper sua missão. Para salvá-lo do máximo desalento,
justamente então, nasceu nele a revelação de sua vocação de pintor. Em casa,
não permaneceu muito tempo, porque, impelido pela sua inquietação, passou a
perambular, indiferente ao frio e à fome, vivendo somente dos poucos auxílios
que recebia de ser irmão Theo. Começou a desenhar e, em outubro de 1880,
inscreveu-se na Academia de Bruxelas, estudando a técnica do desenho e
estreitando amizade com outro pintor. Retornando, por alguns meses, junto ao
pai, começou a copiar, do real, figuras de camponeses.
Uma nova tentativa de constituir família terminou noutra desilusão,
porque uma sua prima, viúva, que ele pedira em casamento, recusou contrair
novas núpcias. Um ano depois, outra crise sentimental: uma jovem apaixonara-se
por Vincent, mas a família dela se opôs ao casamento com um homem que gozava de
péssima reputação, e a moça tentou suicidar-se. Seguiu para Antuérpia, onde
estudou durante alguns meses na Academia, dedicando-se a aprofundar a técnica
pictórica a óleo e estudando, com grande interesse, as gravuras japonesas, que
lhe produziram grande impressão.
Em 1886, Van Gogh juntou-se ao irmão, em
Paris, o qual trabalhava na filial da Galeria Goupil e que o introduziu nos
meios artísticos parisienses. A arte de Vincent sofreu, aqui, uma verdadeira
revolução. Em Paris, na verdade, ele descobriu a pintura impressionista, feita
de cores claras, de tonalidades puras. De fato, naquele período, justamente em
Paris, vinha-se impondo uma nova maneira de pintar, não obstante o ceticismo
dos ambientes ainda presos às tradições.
Em fevereiro de 1888, partiu para
Arles, na Provença, e ali se operou uma nova revolução na arte Van Gogh. Ele
descobriu o sol ardente: embebedava-se de luz e trabalhava encarniçadamente,
dia e noite, ao ar livre e no atelier, para traduzir na tela a beleza da
paisagem. A palheta e o toque tinham sofrido uma nova e profunda metamorfose:
tudo surgia, agora, invadido de sol e de luz.
O assunto dominante dos quadros
desse período está representado por “Os Girassóis”, pois, realmente, nas tintas
douradas dos girassóis, Van Gogh exprimiu o ardor e o esplendor do sol que
tanto encantamento em sua alma exerciam. Outro célebre quadro, pintado em
Arles, sem setembro de 1888, é o “Café à noite”.
O equilíbrio nervoso de
Vincent era perturbado pelo excessivo trabalho, pelo muito beber e fumar. Num
café, após uma discussão, que gerou em briga aberta, Van Gogh, perdendo todo
controle, atirou um copo à cabeça do amigo, que resolveu imediatamente voltar a
Paris. Na noite seguinte, Vincent perseguiu o amigo com uma navalha; depois
regressando a casa, arrebatado por uma crise de violência, cortou fora o lóbulo
da orelha esquerda, como fazo toureiro que amputa a orelha do touro abatido.
Este dramático incidente truncou a amizade entre os dois pintores. Gauguin
partiu, e Van Gogh foi internado num hospital em Arles. Vincent recomeçou a
trabalhar, apesar da fraqueza crescente, mas o desespero começava a dominá-lo.
Os cidadãos de Arles protestaram contra
aquele tipo estranho e violento e ele foi internado em uma casa para tratamento
de moléstias mentais, em Saint-Rémy. Aqui, também, ele procurou dominar a
desoladora solidão, para não deixar-se envolver pela deprimente atmosfera, e
recomeçou a pintar, procurando, no trabalho, a salvação da angústia que queria
submergi-lo.
Pintou, a princípio, o pátio do hospício, árvores cobertas de
hera, oliveiras, ciprestes, etc. Depois, aproveitando a liberdade que lhe
concediam, seu olhar espacejou novamente pelo céu, pelos campos, pelos
camponeses entretidos em sua labuta. Quando não podia trabalhar ao ar livre,
copiava reproduções de quadros, que Theo lhe enviava, ou, quadros dessa época,
as tonalidades são menos vivas do que nos pintados em Arles, mas o toque é mais
violento, pessoal, realmente inconfundível.
Em Saint-Rémy, em setembro de 1889,
Van Gogh pintou um célebre auto-retrato, em que se nota muito estudo
psicológico, porque revela, claramente, o doloroso esta de alma do pintor
durante aquele infeliz período de sua vida. Desde algum tempo, Theo casara-se,
e Vincent sentia-se sempre mais humilhado e envergonhado por viver à custa do
irmão. Finalmente, após alguns meses, como uma permanência mais prolongada no
meio de alienados ameaçasse fazer vacilar sua mente já abalada, foi despachado
do sanatório. Seguiu para Paris, em busca do irmão, mas a cidade não fora feita
para ele, fatigava-o.
Theo recomendou-o, então, a um médico amador de pintura,
que era amigo de pintores: o doutor Gachet não residia muito distante de Paris
e, por isso, Theo esperava que o irmão, vivendo em um ambiente calmo e
amistoso, pudesse reencontrar a serenidade e a saúde. Vincent partiu, de fato,
para Auvers-sur-Oise, e aqui, também se dedicou a pintar pratos, campos,
ondulados, retratos de crianças, do médico e de sua filha. Célebre o “Retrato
do doutor Gauchet”, um de seus últimos trabalhos, pintado num momento de
serenidade. Mas, tampouco o novo ambiente conseguiu restituir-lhe a calma.
Sempre mais forte se fazia nele a convicção de que sua vida houvesse
fracassado, e, além disso, receava recair em novas crises de loucura e, numa
manhã de domingo, indo para os campos desertos, tentou suicidar-se com um tiro
de pistola.
A morte, porém, não chegou logo, e ele conseguiu voltar ao Café
Ravoux, ao mesmo quartinho que o alojara antes. O dono do Café encontrou-o naquele
estado. Acudiu o doutor Gachet e, no dia seguinte, seu irmão Theo, desesperado.
A todos, com a máxima calma, Van Gogh pedia que o deixassem morrer tranqüilo.
Morreu dois dias depois, em 29 de julho de 1890.
A vida efêmera de Van Gogh foi uma luta contínua entre seu temperamento
tímido, desajeitado, incapaz de um contacto com os demais homens, e seu
desesperado desejo de exprimir-se, de comunicar-se com seus semelhantes. Sua
luminosa vida de artista foi muito breve, porque somente muito tarde se dedicou
completamente à arte, mas aqueles poucos anos bastaram para revelar-lhe a
extraordinária personalidade de artista.
Em suas obras, procurou, com
intensidade exprimir a si mesmo, revoltado contra tudo quanto fosse
convencional e não sentido. Serviu-se do colorido para traduzir, na maneira
mais forte e intensa, o que sentia, exagerado os acordes e os contrastes, a fim
de obter maior potência de expressão. Se nós observarmos o conjunto das obras
de Van Gogh, notaremos a nítida separação entre aquelas executadas na Holanda e
as do período francês. Nas primeiras, inspiradas em conceitos sociais,
predomina a figura humana. O mesmo impulso que levava o artista a tornar-se um
evangelizador entre os mineiros, levou-o a retratar o homem na sua dura e
incessante fadiga: aquelas curvas nodosas, dobradas no trabalho, desejavam ser
uma censura e uma revolta contra a sociedade egoísta e cruel.
Na França, Van
Gogh dilatou sua visão de paisagem. À evolução do conteúdo, corresponde a
evolução da expressão pictórica. Mudo o colorido, que de sombrio se torna
luminoso e, depois, francamente, se transforma em uma orgia de amarelo e de
azul, como se Van Gogh pretendesse transportar para a terra toda a luminosidade
do céu e o calor do sol que haviam faltado à sua mocidade de homem nórdico. Mas
muda também a maneira de entender as cores: a ordem precisa e retilínea dos
toques cede lugar às pinceladas concêntricas, como que perturbadas por um
furacão, o mesmo que arrebataria a existência do artista.
Vincent Van Gogh
pintou centenas de quadros e de desenhos, como se fora tomado pela frenética
necessidade de exprimir a si mesmo antes que fosse tarde demais. Durante sua
vida, conseguiu vender apenas alguns desenhos, ao passo que, hoje, suas telas
são disputadas por todos os museus do mundo.
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