domingo, 4 de agosto de 2013

VINCENT VAN GOGH

VINCENT VAN GOGH     

     Vincent Van Gogh, como tantos outros artistas que tiveram uma vida romântica perturbada, é, talvez, mais conhecido pelo grande público devido às vicissitudes dramáticas de sua existência do que pelo valor de sua obra. Nestes últimos anos, o interesse por ele muito aumentou e sua produção pictórica é bem mais conhecida e admirada do que no passado. Talvez isso seja pelo fato de que Van Gogh está bem perto de nosso espírito pelo modo de sentir de nosso tempo, mais do que muitos outros pintores seus contemporâneos. 
     Certamente, a sociedade em que vivia, a próspera burguesia holandesa, amante da vida calma, não podia compreender um homem como Van Gogh, violento, arredio, incapaz de adaptar-se às regras de seu tempo e de seu ambiente. Vincent Van Gogh nasceu em 30 de março de 1853, na Holanda, ou melhor, no Brabante setentrional, numa pequena aldeia, em que seu pai era pastor protestante. Ele pertencia a uma família numerosa e durante toda a vida, foi ligado por afeto profundíssimo e comovedor ao seu irmão Theo, nascido quatro anos depois dele e que sobreviveu apenas poucos anos ao trágico desaparecimento de Vincent. 
     Após haver estudado um pouco de desenho, foi admitido na cidade de Haia, como caixeiro da galeria de Arte Goupil, onde também Theo se empregara. Em 1873, Vincent foi transferido para a filial de Londres, mas aqui o aguardava sua primeira desilusão amarga, porque, apaixonando-se pela filha da dona de sua pensão, pediu-a em casamento e sofreu uma recusa, seguida logo de outra, poucos meses depois, e, em seu coração ferido e amargurado, começou a abrir-se a chaga da inquietude e do sentimento de frustração que nunca mais o abandonaram. 
     Depois de passar alguns meses em Paris, voltou a Londres e, a seguir, a Haia, onde se demitiu da Galeria de Arte Goupil. Depois de uma breve permanência na casa paterna, seguiu cursos de preparação teológica em Amesterdã e em Bruxelas, mas, desanimado pelos insucessos atribuídos à sua escassa capacidade oratória, abandonou essas tentativas e resolveu dedicar-se ao apostolado, diretamente, pelo exemplo. De fato, repleto de místico espírito evangélico, partiu para Borinage, a região mineira da Bélgica, onde quis compartilhar das míseras condições de vida daqueles mineiros. Ele os reunia, ali, à noite, em uma taberna, e os instruía em matéria religiosa; além disso, renunciava ao pouco que possuía para dá-lo a quem fosse mais pobre do que ele. 
     Mas o seu zelo foi julgado excessivo pelos superiores, sua eloqüência demasiado candente e precisou interromper sua missão. Para salvá-lo do máximo desalento, justamente então, nasceu nele a revelação de sua vocação de pintor. Em casa, não permaneceu muito tempo, porque, impelido pela sua inquietação, passou a perambular, indiferente ao frio e à fome, vivendo somente dos poucos auxílios que recebia de ser irmão Theo. Começou a desenhar e, em outubro de 1880, inscreveu-se na Academia de Bruxelas, estudando a técnica do desenho e estreitando amizade com outro pintor. Retornando, por alguns meses, junto ao pai, começou a copiar, do real, figuras de camponeses.
     Uma nova tentativa de constituir família terminou noutra desilusão, porque uma sua prima, viúva, que ele pedira em casamento, recusou contrair novas núpcias. Um ano depois, outra crise sentimental: uma jovem apaixonara-se por Vincent, mas a família dela se opôs ao casamento com um homem que gozava de péssima reputação, e a moça tentou suicidar-se. Seguiu para Antuérpia, onde estudou durante alguns meses na Academia, dedicando-se a aprofundar a técnica pictórica a óleo e estudando, com grande interesse, as gravuras japonesas, que lhe produziram grande impressão. 
     Em 1886, Van Gogh juntou-se ao irmão, em Paris, o qual trabalhava na filial da Galeria Goupil e que o introduziu nos meios artísticos parisienses. A arte de Vincent sofreu, aqui, uma verdadeira revolução. Em Paris, na verdade, ele descobriu a pintura impressionista, feita de cores claras, de tonalidades puras. De fato, naquele período, justamente em Paris, vinha-se impondo uma nova maneira de pintar, não obstante o ceticismo dos ambientes ainda presos às tradições. 
     Em fevereiro de 1888, partiu para Arles, na Provença, e ali se operou uma nova revolução na arte Van Gogh. Ele descobriu o sol ardente: embebedava-se de luz e trabalhava encarniçadamente, dia e noite, ao ar livre e no atelier, para traduzir na tela a beleza da paisagem. A palheta e o toque tinham sofrido uma nova e profunda metamorfose: tudo surgia, agora, invadido de sol e de luz. 
     O assunto dominante dos quadros desse período está representado por “Os Girassóis”, pois, realmente, nas tintas douradas dos girassóis, Van Gogh exprimiu o ardor e o esplendor do sol que tanto encantamento em sua alma exerciam. Outro célebre quadro, pintado em Arles, sem setembro de 1888, é o “Café à noite”. 
     O equilíbrio nervoso de Vincent era perturbado pelo excessivo trabalho, pelo muito beber e fumar. Num café, após uma discussão, que gerou em briga aberta, Van Gogh, perdendo todo controle, atirou um copo à cabeça do amigo, que resolveu imediatamente voltar a Paris. Na noite seguinte, Vincent perseguiu o amigo com uma navalha; depois regressando a casa, arrebatado por uma crise de violência, cortou fora o lóbulo da orelha esquerda, como fazo toureiro que amputa a orelha do touro abatido. Este dramático incidente truncou a amizade entre os dois pintores. Gauguin partiu, e Van Gogh foi internado num hospital em Arles. Vincent recomeçou a trabalhar, apesar da fraqueza crescente, mas o desespero começava a dominá-lo. 

     Os cidadãos de Arles protestaram contra aquele tipo estranho e violento e ele foi internado em uma casa para tratamento de moléstias mentais, em Saint-Rémy. Aqui, também, ele procurou dominar a desoladora solidão, para não deixar-se envolver pela deprimente atmosfera, e recomeçou a pintar, procurando, no trabalho, a salvação da angústia que queria submergi-lo. 
     Pintou, a princípio, o pátio do hospício, árvores cobertas de hera, oliveiras, ciprestes, etc. Depois, aproveitando a liberdade que lhe concediam, seu olhar espacejou novamente pelo céu, pelos campos, pelos camponeses entretidos em sua labuta. Quando não podia trabalhar ao ar livre, copiava reproduções de quadros, que Theo lhe enviava, ou, quadros dessa época, as tonalidades são menos vivas do que nos pintados em Arles, mas o toque é mais violento, pessoal, realmente inconfundível. 
     Em Saint-Rémy, em setembro de 1889, Van Gogh pintou um célebre auto-retrato, em que se nota muito estudo psicológico, porque revela, claramente, o doloroso esta de alma do pintor durante aquele infeliz período de sua vida. Desde algum tempo, Theo casara-se, e Vincent sentia-se sempre mais humilhado e envergonhado por viver à custa do irmão. Finalmente, após alguns meses, como uma permanência mais prolongada no meio de alienados ameaçasse fazer vacilar sua mente já abalada, foi despachado do sanatório. Seguiu para Paris, em busca do irmão, mas a cidade não fora feita para ele, fatigava-o. 
     Theo recomendou-o, então, a um médico amador de pintura, que era amigo de pintores: o doutor Gachet não residia muito distante de Paris e, por isso, Theo esperava que o irmão, vivendo em um ambiente calmo e amistoso, pudesse reencontrar a serenidade e a saúde. Vincent partiu, de fato, para Auvers-sur-Oise, e aqui, também se dedicou a pintar pratos, campos, ondulados, retratos de crianças, do médico e de sua filha. Célebre o “Retrato do doutor Gauchet”, um de seus últimos trabalhos, pintado num momento de serenidade. Mas, tampouco o novo ambiente conseguiu restituir-lhe a calma. Sempre mais forte se fazia nele a convicção de que sua vida houvesse fracassado, e, além disso, receava recair em novas crises de loucura e, numa manhã de domingo, indo para os campos desertos, tentou suicidar-se com um tiro de pistola. 
     A morte, porém, não chegou logo, e ele conseguiu voltar ao Café Ravoux, ao mesmo quartinho que o alojara antes. O dono do Café encontrou-o naquele estado. Acudiu o doutor Gachet e, no dia seguinte, seu irmão Theo, desesperado. A todos, com a máxima calma, Van Gogh pedia que o deixassem morrer tranqüilo. Morreu dois dias depois, em 29 de julho de 1890.
     A vida efêmera de Van Gogh foi uma luta contínua entre seu temperamento tímido, desajeitado, incapaz de um contacto com os demais homens, e seu desesperado desejo de exprimir-se, de comunicar-se com seus semelhantes. Sua luminosa vida de artista foi muito breve, porque somente muito tarde se dedicou completamente à arte, mas aqueles poucos anos bastaram para revelar-lhe a extraordinária personalidade de artista. 
     Em suas obras, procurou, com intensidade exprimir a si mesmo, revoltado contra tudo quanto fosse convencional e não sentido. Serviu-se do colorido para traduzir, na maneira mais forte e intensa, o que sentia, exagerado os acordes e os contrastes, a fim de obter maior potência de expressão. Se nós observarmos o conjunto das obras de Van Gogh, notaremos a nítida separação entre aquelas executadas na Holanda e as do período francês. Nas primeiras, inspiradas em conceitos sociais, predomina a figura humana. O mesmo impulso que levava o artista a tornar-se um evangelizador entre os mineiros, levou-o a retratar o homem na sua dura e incessante fadiga: aquelas curvas nodosas, dobradas no trabalho, desejavam ser uma censura e uma revolta contra a sociedade egoísta e cruel. 
     Na França, Van Gogh dilatou sua visão de paisagem. À evolução do conteúdo, corresponde a evolução da expressão pictórica. Mudo o colorido, que de sombrio se torna luminoso e, depois, francamente, se transforma em uma orgia de amarelo e de azul, como se Van Gogh pretendesse transportar para a terra toda a luminosidade do céu e o calor do sol que haviam faltado à sua mocidade de homem nórdico. Mas muda também a maneira de entender as cores: a ordem precisa e retilínea dos toques cede lugar às pinceladas concêntricas, como que perturbadas por um furacão, o mesmo que arrebataria a existência do artista. 
     Vincent Van Gogh pintou centenas de quadros e de desenhos, como se fora tomado pela frenética necessidade de exprimir a si mesmo antes que fosse tarde demais. Durante sua vida, conseguiu vender apenas alguns desenhos, ao passo que, hoje, suas telas são disputadas por todos os museus do mundo.

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