quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

A ARTE DO MOSAICO

     A arte do mosaico e, por excelência, uma arte de paciência: trata-se, de fato, de juntar diminutos fragmentos coloridos, dos mais variados materiais, de modo a reproduzir um desenho preestabelecido. A composição adquire maior beleza se observada a distância. Existem mosaicos formados por matérias das mais dessemelhantes e das mais diversas aplicações: a arte asteca deixou-nos, por exemplo, pequenas obras escultórias recobertas por mosaicos de pedras duras; a arte popular da América do Sul retomou, das populações pré-colombianas, a tradição do mosaico de plumas, que é, ainda hoje, usada para ornamentar trajes, estandartes, ou para compor quadros; as populações da Austrália e da Oceania, ainda agora, gostam de enfeitar suas máscaras rituais e suas armas com incrustações de conchinhas de madrepérolas. 
     Para recordar, enfim, um exemplo europeu, os artesãos italianos dos séculos XVI e XVII tornaram-se muito conhecidos, no exterior, pela sua maestria em compor mosaicos de mármore e de pedras duras, para a decoração de mesas, de lareiras e de outros objetos de mobília. 
     Em sua aplicação arquitetônica, a técnica do mosaico foi conhecida já em tempos antiqüíssimos: os Sumerianos, os Babilônicos, ou Egípcios e os Hebreus recorreram, realmente, a ela para enfeitar seus templos: os Babilônicos usavam cubos de terracota, em forma de cone, ao passo que os Egípcios recorriam também, a cacos de vidro. A grande tradição que a arte ocidental ostenta, no campo do mosaico, não deriva, todavia, dessas antigas civilizações, mas sim da grega, ou, mais precisamente, da helênica. 
     Se assistíssemos à execução de um mosaico, hoje, veríamos repetir-se, com pequenas variações, a técnica dos mosaicistas gregos; traçado o desenho sobre um superfície recoberta de cimento fresco, e estabelecidas as cores para depositar, neste ou naquele ponto, o mosaicista recobre-o com uma leve camada de gesso; sucessivamente, remove o gesso nos pontos que pretende executar imediatamente e, aqui, aplica outra camada de cimento ou (como já está em uso na segunda metade do Quinhentos) uma cela especial. 
     Escolhidos os cubos de mármores ou de pasta vidrada das “caixas de degradação”, onde estão guardadas, e subdivididos segundo seus coloridos, o mosaicista examina-os um a um, corrige-lhes, eventualmente, a forma, lascando-o com um martelinho (na terminologia dos mosaicistas: a “martelina”) e polindo-os com uma mó (o “rotino”); depois, quando já os corrigiu e poliu, coloca-os na cola e um junto a outro, nivelando a superfície com um martelo de madeira. Para poder executar o trabalho com mais calma, o mosaicista poderia recorrer, também, à técnica da “rivoltatura”: neste caso, ele procede como no modo precedente, mas usando, ao invés de cola ou cimento, porcelana úmida, que prende bem os cubos e permite julgar, no mesmo instante, o resultado. Concluído o mosaico, o artista cola-lhe pedaços de papel, cortados segundo o motivo escolhido, e, sobre eles, põe, ainda, telas de saco. 
     Quando o trabalhou e acabou de secar, ele corta as telas e “transporta” o mosaico para a superfície onde deve ser efetivamente aplicado, preventivamente recoberta de uma camada de cola; após haver fixado o mosaico na cola, o mosaicista pode, agora, retirar as telas de saco e nivelar os cubos, ultimando, assim, seu trabalho.
     Não se pode afirmar, com segurança, que esta fosse realmente a técnica empregada pelos mosaicistas gregos, todavia, dada sua simplicidade, compreende-se como, se variantes houve, elas foram bem poucas, mais do que tudo respeitantes à forma de cubo, ao modo de dispô-los, sua maior ou menorpenetração na liga, a qualidade do material empregado. 
     Talvez os primitivos artesãos gregos, que cuidaram do mosaico, inspiraram-se na vista de uma torrente, onde os pedregulhos arredondados, das mais variadas cores, lambidos pelas águas, acumulam-se uns sobre os outros, belos e alegres de ver, mesmo em sua pitoresca desordem. De fato, os primeiros pavimentos onde foi experimentada esta técnica eram formados por pedras arredondadas pelas águas, tal como se nota nos restos de Júpiter em Olímpia e nos de algumas mansões romanas da era republicana: este tipo de pavimento, que os Romanos batizaram de barbaricum, não teve um caráter ornamental, dada a mínima possibilidade permitida pelo material empregado na composição de desenhos ricos de coloridos. 
     Foi somente cerca do século III a. C. que, na Ásia Menor, especialmente em Pérgamo e em Alexandria, que a arte do mosaico assumiu uma forma mais complexa e mais requintada, de modo a estimular a pintura sobre madeira e o afresco. A adoção de cacos cúbicos adrede esquadrinhados e polidos, permitiu uma extraordinária atenção na execução de motivos ornamentais e de assuntos dos mais variados gêneros, que eram desenhados e executados por artistas especializados. 
     A habilidade dos mosaicistas helênicos não nos é desconhecida, porque, de sua vasta produção, permanecem numerosos exemplares na Itália, especialmente em Roma, em Herculano, em Pompéia, naquela que foi a Magna Grécia e, mais tarde, em todas as regiões compreendidas no Império Romano. Também pelo que diz respeito à arte do mosaico, aconteceu, de fato, o que ocorrera em outros setores da arte e dos trajes: chegados em contato com uma civilização muito mais refinada do que a sua, os conquistadores romanos não tardaram em apaixonar-se por essa arte florescente em Pérgamo e Alexandria, e chamaram, para ornamentar-lhes as casas e os edifícios públicos, um numeroso grupo de artistas helenísticos. 
     Desde o século II a. C., como nos atestam as fontes literárias e as numerosas obras encontradas, o mosaico helenístico tornou-se o constante ornamento das ricas mansões romanas, e foi aplicado tanto nos pavimentos como nas paredes. Duas eram as técnicas essencialmente em uso: a opus sectile, na qual eram empregados cubos do mesmo tamanho, e o opus vermiculatum, que era executado como cubos de tamanhos diferentes, segundo uma disposição menos regular. A primeira técnica era, sobretudo, usada para a execução dos motivos ornamentais mais simples e mais rigidamente geométricos, que se preferiram, habitualmente, para a decoração dos pavimentos; entre estes tipos de decoração, o mais antigo era, talvez, o opus alexandrinum, no qual, geralmente, apareciam somente cubos marmóreos brancos ou negros. 
     O opus verniculatam era, ao invés, empregado no mosaico oriental, em que a exigência dos assuntos representados necessitava de uma técnica mais minuciosa, mais adequada para tornar reais as figuras. Com o requinte dos costumes romanos e o progresso dessa técnica, o mosaico tornou-se sempre mais precioso e rico de colorido; os cubos não eram mais somente de mármore, mas, também, de pastas vidrosas e de pedras duras, tais como o alabastro, o ônix, a ágata, que, com suas cores vibrantes – o azul intenso, o amarelo vivo, o verde esmeralda, o vermelho sanguíneo – conferiam aos salões, assim decorados, um aspecto luxuoso: o mosaico mais adequado a essas características é, naturalmente, o executado na era imperial. 
     Esta arte, agora já tão rica e faustosa, que, no esplendor e na preciosidade de sua matéria, bem revelava uma constate influência do gosto oriental, tal herdada pela Igreja. Com a decadência do Império Romano do Ocidente e a afirmação do Cristianismo, não se verificou, como se poderia supor, dada a origem pagã, sua decadência. Em Roma, ainda resta uma rica documentação de mosaicos da idade paleocristã, na abóbada do Mausoléu de Santa Constância (séc. IV), na abside da Igreja de Santa Pudenciana (fins do século IV), nas naves e no arco triunfal da Basílica de Santa Maria Maggiore (século IV e V) e na abside da Igreja do SS. Cosme e Damião(séc. IV). 
     É ainda perceptível, nos mais antigos deles, a lembrança do mosaico do tipo helenístico-romano, todavia, ele se torna sempre menos evidente, nos mosaicos mais recentes; a Igreja, na verdade, dobra às suas exigências nessa arte, impõe-lhe novas figurações, dela pretende uma tarefa que ultrapassa aquela puramente decorativa; reevocados por mosaicos resplentes de colorido, aparecem, agora, os símbolos do Cristianismo. Os artistas ocidentais não encontraram, por si sós, esta nova maneira de expressão: se, antes, hauriram inspiração dos mosaicos helenísticos-romanos, em seguida, sofreram, sempre mais, a influência dos mosaicos orientais.
     E foi ainda a Ásia Menor, com o centro de Antioquia e, a seguir, a de Bizâncio, a capital do Império Romano do Oriente, quem renovou o gosto do mosaico ocidental, quem forneceu artífices magistrais nesta arte, que deram novas sugestões no campo da técnica e do estilo. Esta influência, ainda pouco perceptível nos mosaicos executados, no século VI, em Ravena, nas igrejas de São Vidal, de Santo Apolinário Novo e na de Santo Apolinário em Classe. 
     O preciosismo dos mosaicos de Ravena e a concepção oriental de interpretação as figuras símbolos, e não como representações da realidade, conservaram-se por longo tempo, influenciando a arte do mosaico que, porém, cerca do século XI, degenerou numa espécie de academicismo, na cópia mais ou menos ao pé da letra, mas sempre pior, de mosaicos belíssimos, executados nos séculos precedentes. Entrementes, no meio de tantas representações simbólicas daqueles séculos, uma turma de artistas ia renovando o mosaico, dando-lhe um novo cunho, realista e dramático, que sob certos aspectos, se entrelaçava com a tradição da arte helenística-romana. 
     Nos mosaicos que recobrem inteiramente as abóbadas da Basílica de São Marcos, executados do século do século XI ou XIII, ou naquele que ornamentavam a abóbada do Batistério de Florença, em outros coevos, é possível perceber-se o gradual abandono da abstração bizantina por uma arte mais humana, menos faustosa, certamente, de quanto havia sido até então, porém mais próxima do drama dos homens, de sua realidade: foram os germes espirituais contidos em toda a arte dos séculos XI, XII e XIII, ou seja, na arte romântica, que transformaram o estilo mosaico, mas em certo sentido, aceleraram-lhe a decadência. Pietro Cavallini, Iacopo Torriti, e Filippo Rusuti foram, quiçá, os últimos grandes artistas que se prevaleceram do mosaico parra exprimir sua íntima necessidade de arte, mas, já agora, outras técnicas, como o afresco e pintura sobre madeira, eram preferidas pelos artistas e pela Igreja, para difundir uma mensagem de fé, de beleza e de poesia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Envie seu comentário sobre esta postagem...

Oportunidade

Adsense